Acredita-se que Moray tenha funcionado como um grande centro de aclimatação para a agricultura, evidenciando a incrível diversidade de culturas que os povos incaicos e pré-incaicos. Dentre essas, destacam-se centenas de variedades de milho e batatas, cada uma adaptada a altitudes e climas específicos, contribuindo para um sistema agrícola robusto e resistente a pragas e mudanças climáticas. Essa diversidade não é apenas um marco da agricultura sustentável, mas também uma forma de viver com a natureza, uma afirmação de uma relação plural de coexistência.
Imagem de @arvoreágua
A Floresta Amazônica, frequentemente vista como "virgem" e intocada, é cada vez mais reconhecida como uma paisagem profundamente moldada e fortalecida por seus habitantes originários. Evidências mostram que as sociedades pré-colombianas enriqueceram e expandiram esse ponto de biodiversidade através de cultivo deliberado e gestão de habitat. Essas práticas, que incluem a criação de solos férteis conhecidos como terra preta, demonstram o papel dos povos indígenas no aumento da biodiversidade, desafiando a narrativa colonialista sobre vazios demográficos e espaços a serem ocupados e dominados.
Em contrapartida, a imposição colonial do extermínio dos povos indígenas e de suas sabedorias, com a expansão de monoculturas faz parte de um ecocídio, arrasando ecossistemas complexos e trocando por commodities singulares e exportáveis. Essa prática, motivada por uma busca incessante de um desenvolvimento embasado na exploração da natureza, ignora o valor intrínseco da biodiversidade e mina a resiliência ecológica, fragilizando a terra e o clima. A transição para a agricultura de monocultura não apenas esgota os nutrientes do solo e interrompe os ciclos locais de água, mas também torna as culturas mais suscetíveis a doenças e pragas, necessitando intervenções químicas que causam mais danos ao meio ambiente. Não é para menos que, no Brasil, a imensa maioria dos gases efeito estufa que produzimos vem da agroindustria, com deflorestamento, produção de soja para gado e o própria gado.
Paralelamente à devastação ecológica provocada pelas monoculturas, ocorre o fenômeno do epistemicídio – a destruição sistemática dos sistemas de conhecimento indígenas. Essa forma de homogeneização cultural busca invalidar e substituir diversas maneiras de conhecer por uma visão de mundo colonial única. A perda desse conhecimento não é apenas uma perda para as comunidades indígenas, mas para a humanidade como um todo, pois somos privados de séculos de sabedoria acumulada sobre vida sustentável e harmonia com a natureza. Para se ter uma ideia da continuidade desse problema, os povos indígenas não tinham direito à educação até a Constituição de 1988, e ainda hoje, muitos dos investimentos na educação escolar indígena tem um fundo civilizatório, que apaga os valores e as tradições indígenas.
Variedades milho crioulo, foto Brasil de Fato, Giorgia Prates
O caminho para reverter os males gêmeos do ecocídio e do epistemicídio reside no reconhecimento e na revitalização das práticas e sistemas de conhecimento indígenas. A educação indígena - aquela que acontece nas comunidades, dentro das casas, no passar do saber por rituais, e por conversas - deve ser fortalecida e acompanhada da educação escolar indígena - a educação que acontece na escola, que ainda é diferenciada da educação não-indígena ao recuperar as tradições, conhecimento e escrita, mas que também pode possibilitar o contato com os saberes não-indígenas não a partir de uma ótica de subalternização, mas de uma pluralidade de saberes. Valorizando e integrando esses sistemas aos esforços globais de conservação, podemos buscar a reparar o dano infligido pelas monoculturas e epistemologias coloniais.
Iniciativas lideradas por indígenas, como o fortalecimento dos espaços comunitários, a restauração de práticas agrícolas tradicionais e a proteção de paisagens sagradas, oferecem um modelo para relações humanas-natureza sustentáveis. Além disso, apoiar os direitos dos povos indígenas de gerenciar suas terras e recursos é crucial no combate à perda de biodiversidade e à erosão cultural. A valorização do conhecimento indígena, desde as terras agrícolas andinas até as florestas amazônicas, destaca-se como esperança, mostrando que a diversidade — tanto ecológica quanto cultural — não é apenas possível, mas imperativa para nossa sobrevivência coletiva.