16 Jun
16Jun

Culturas | socio-biodiversidade

Não faz muito tempo, realizei o sonho de infância de ir para Macchu Picchu e o Vale Sagrado, com Chrys. Lá, em uma cidade chamada Maras, há um sítio arqueológico chamado Moray. Nesse sítio, há séculos os povos pré-Incaicos adaptavam para diferentes climas centenas de variedades de batatas, milho, folhas de coca, entre outras plantas, colocando-as em diferentes níveis que simulavam uma diversidade de microclimas em diversos territórios. Lá, conversamos muito sobre as conexões de como os diferentes entendimentos de natureza dos povos que lá vivem e viviam são diferentes do pensamento colonizador, que pensa em subordinar e exterminar tudo que não é a sua imagem.

Lembro dos estudos sobre como os povos indígenas contribuíram para a expansão da diversidade da Amazônia. Inclusive, hoje, na feira, em Manaus, uma senhora me contou sobre os vários tipos de açaí, e de mandioca.

Fico pensando na pobreza dos mercados de São Paulo, ou os da Europa. No máximo, três tipos de batata, um de mandioca, talvez dois de milho. Uma pobreza que tentam compensar com uma variedade de produtos "étnicos" ou "exóticos", versões semi-sobreviventes de outras culturas, hoje hiper-industrializados, como ramens de noodles, temperos desidratados, e outros resquícios culturais de outros lugares. Predominam produtos industrializados, e entre os vegetais e os grãos, os trangenicos, homogeneizados, as batatas, os milhos, que antes tinham uma diversidade de cores estão todos embranquecidos, um amarelo pálido e triste.

Em um mundo marcado pela extensão da colonialidade, a destruição das culturas de alimentos anda junta da destruição das culturas de diferentes sociedades. Seu impacto manifesta-se de forma dupla, promovendo não apenas a perda da diversidade ecológica, mas também o genocídio e a erosão da multiplicidade cultural. Esse fenômeno, onde monoculturas e epistemicídio convergem, expõe o legado destrutivo das práticas coloniais. 

Contribuições Indígenas para a Biodiversidade

Acredita-se que Moray tenha funcionado como um grande centro de aclimatação para a agricultura, evidenciando a incrível diversidade de culturas que os povos incaicos e pré-incaicos. Dentre essas, destacam-se centenas de variedades de milho e batatas, cada uma adaptada a altitudes e climas específicos, contribuindo para um sistema agrícola robusto e resistente a pragas e mudanças climáticas. Essa diversidade não é apenas um marco da agricultura sustentável, mas também uma forma de viver com a natureza, uma afirmação de uma relação plural de coexistência.

Imagem de @arvoreágua

A Floresta Amazônica, frequentemente vista como "virgem" e intocada, é cada vez mais reconhecida como uma paisagem profundamente moldada e fortalecida por seus habitantes originários. Evidências mostram que as sociedades pré-colombianas enriqueceram e expandiram esse ponto de biodiversidade através de cultivo deliberado e gestão de habitat. Essas práticas, que incluem a criação de solos férteis conhecidos como terra preta, demonstram o papel dos povos indígenas no aumento da biodiversidade, desafiando a narrativa colonialista sobre vazios demográficos e espaços a serem ocupados e dominados.

Monoculturas Agrícolas e Sociais

Em contrapartida, a imposição colonial do extermínio dos povos indígenas e de suas sabedorias, com a expansão de monoculturas faz parte de um ecocídio, arrasando ecossistemas complexos e trocando por commodities singulares e exportáveis. Essa prática, motivada por uma busca incessante de um desenvolvimento embasado na exploração da natureza, ignora o valor intrínseco da biodiversidade e mina a resiliência ecológica, fragilizando a terra e o clima. A transição para a agricultura de monocultura não apenas esgota os nutrientes do solo e interrompe os ciclos locais de água, mas também torna as culturas mais suscetíveis a doenças e pragas, necessitando intervenções químicas que causam mais danos ao meio ambiente. Não é para menos que, no Brasil, a imensa maioria dos gases efeito estufa que produzimos vem da agroindustria, com deflorestamento, produção de soja para gado e o própria gado.

Epistemicídio: A Erradicação do Conhecimento Indígena

Paralelamente à devastação ecológica provocada pelas monoculturas, ocorre o fenômeno do epistemicídio – a destruição sistemática dos sistemas de conhecimento indígenas. Essa forma de homogeneização cultural busca invalidar e substituir diversas maneiras de conhecer por uma visão de mundo colonial única. A perda desse conhecimento não é apenas uma perda para as comunidades indígenas, mas para a humanidade como um todo, pois somos privados de séculos de sabedoria acumulada sobre vida sustentável e harmonia com a natureza. Para se ter uma ideia da continuidade desse problema, os povos indígenas não tinham direito à educação até a Constituição de 1988, e ainda hoje, muitos dos investimentos na educação escolar indígena tem um fundo civilizatório, que apaga os valores e as tradições indígenas.

Reivindicando Práticas Indígenas para um Futuro Diverso

Variedades milho crioulo, foto Brasil de Fato, Giorgia Prates 

O caminho para reverter os males gêmeos do ecocídio e do epistemicídio reside no reconhecimento e na revitalização das práticas e sistemas de conhecimento indígenas. A educação indígena - aquela que acontece nas comunidades, dentro das casas, no passar do saber por rituais, e por conversas - deve ser fortalecida e acompanhada da educação escolar indígena - a educação que acontece na escola, que ainda é diferenciada da educação não-indígena ao recuperar as tradições, conhecimento e escrita, mas que também pode possibilitar o contato com os saberes não-indígenas não a partir de uma ótica de subalternização, mas de uma pluralidade de saberes. Valorizando e integrando esses sistemas aos esforços globais de conservação, podemos buscar a reparar o dano infligido pelas monoculturas e epistemologias coloniais.

Iniciativas lideradas por indígenas, como o fortalecimento dos espaços comunitários, a restauração de práticas agrícolas tradicionais e a proteção de paisagens sagradas, oferecem um modelo para relações humanas-natureza sustentáveis. Além disso, apoiar os direitos dos povos indígenas de gerenciar suas terras e recursos é crucial no combate à perda de biodiversidade e à erosão cultural. A valorização do conhecimento indígena, desde as terras agrícolas andinas até as florestas amazônicas, destaca-se como esperança, mostrando que a diversidade — tanto ecológica quanto cultural — não é apenas possível, mas imperativa para nossa sobrevivência coletiva.


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